Nossa, foi uma noite muito esquisita. Acordei
de madrugada com o pescoço mordido e um estranho no meu quarto. Na verdade, foi
bom. Senti tanta falta dele e foi muito bom revê-lo, apesar das circunstâncias.
A mordida ardia de verdade, parecia que toda
a dor circulava junto com meu sangue e meu corpo inteiro formigava de forma
gelada. Arrepiava-me. Não havia aberto a bolsa de sangue, era nojento pensar
naquilo e não estava com fome. Willian conversava com o motorista enquanto meu
corpo se amolecia. O formigamento parou e eu me senti energizada, mas por pouco
tempo, logo minha garganta se secou e minhas pálpebras ficaram pesadas, o local
onde Willian havia me mordido doeu, como se tivessem arrancado de mim, como se
tivesse um cão puxando, gritei de dor.
-Kelly, respire fundo – Willian se virou para
trás e me disse como se já tivesse passado por aquilo e fosse algo normal.
Obedeci-o e puxei todo o ar com os olhos
fechados segurando as lágrimas. Meu pescoço doía demais.
-Anda logo, beba esse sangue.
-Não dá, é nojento demais.
-Odeio transformar garotas – Willian comentou
com o motorista enquanto se virava para frente novamente.
-Obrigada pela sensibilidade – Coloquei uma
das mãos no pescoço e apertei, mas não aliviou nada.
-Não se preocupe menina, Willian é assim
mesmo – O motorista disse.
-Que azar o seu fazer companhia para ele –
Consegui rir um pouquinho.
-Sabe
que eu pensei a mesma coisa – Ele deu uma boa gargalhada quando Willian ameaçou
abrir a porta – Sou Jorge.
-Estou
muito feliz em saber que não é Willian que está dirigindo.
-Isso
vai ter troco mocinha – Will me olhou feio.
-Já
tive. Sabia que isso dói? – Apontei para a mordida.
-Sim,
todos já passamos por isso. Tome o sangue, ajuda a passar.
Observei
a bolsa de sangue. Era bem consistente, não parecia ser tão ruim assim, fiquei
imaginando o cheiro e o gosto. Talvez tenha ficado com vontade. Não,
definitivamente não tomaria aquilo.
-Não,
estou bem.
Willian
me olhou feio e virou pra frente resmungando de como eu era teimosa e continuou
me comparando com a minha mãe. Meu corpo continuou se amolecendo no banco
traseiro, enfiei a bolsa de sangue na minha bolsa de roupas. Não demorou muito
depois disso e chegamos. O lugar era lindo! Tinha alguns laguinhos na frente do
edifício. O prédio parecia um castelo. Ele era todo branco e tinha várias luzes
do lado de fora. Tinha torres, mas não eram muito altas. Ele parecia ser enorme
por dentro. Havia janelas contornadas de madeira e os vidros todos fechados. Do
lado de fora dava pra ver que tinha cortinas escuras do lado de dentro para
impedir a passagem do sol. Eram tantas janelas que parecia que aquele castelo
era infinito. Ele era muito alto, não as torres, mas o edifício em si. Alto e
largo. Acho que a população inteira da cidade caberia lá dentro.
Entre
os laguinhos havia um caminho estreito feito de pedras fixas na terra, o jardim
era todo gramado e havia canteiros de amor-perfeito cor-de-rosa, eram todos
botões que desabrochariam em breve. Os canteiros contornavam o lado direito da passagem
e se estendiam ao longo da parte da frente da construção. À esquerda, mais
além, havia outras flores, que de longe, julguei serem amores-perfeitos
brancos. Algumas flores lilás se misturavam entre as brancas, acho que eram de
espécies diferentes. Talvez voltasse ali em outra oportunidade para checar.
Perto
da enorme porta principal de madeira escura tinha banquinhos de ambos os lados.
Na lateral direita eu podia enxergar perfeitamente algumas árvores e mais
banquinhos, o que se assemelhava muito com um quintal. Já o lado esquerdo
parecia um tanto sombrio e abandonado, não havia muita iluminação e não pude
ver nenhum banco.
-O
que me diz? – Willian sorriu
-É
lindo!
-Espere
até conhecer por dentro – Jorge disse abrindo a porta.
-Estou
ansiosa – Peguei minha mochila e sai do carro.
-Vamos
entrar então – Willian caminhou até a entrada principal e fui logo atrás dele,
Jorge estava indo lentamente atrás de nós, parecia olhar fixamente para alguma
das janelas.
Entramos
na sala, tinha quadros, flores e fotos decorando o ambiente. Os sofás eram
pretos, com belas almofadas brancas trabalhadas a mão. O restante da sala era
inteiro branco e o chão era de madeira clara. Havia alguns vampiros lá, muitos
adolescentes, mais do que eu havia pensado. Jorge subiu pela escada escura e
Willian apontou para uma porta grande e escura que ficava um pouco perto da
escada.
-Aquele
é o refeitório – Nós começamos a subir os degraus e ele abaixou o tom de voz –
Na verdade não precisamos de alimentos, mas muitos sentem saudades de serem
humanos e quando comem se sentem melhores, mas é só uma impressão. Nós
precisamos mesmo é de sangue.
-Todos
tem acesso?
-Na
verdade é um pouco complicado. Temos um freezer no refeitório que está cheio de
bolsas de sangue, normalmente quem consome são os mais velhos, os jovens tem
medo, assim como você.
-Não
tenho medo.
-É
normal, não se preocupe – Willian estava sério – Temos algumas aulas, seria
muito interessante se você pudesse aparecer, elas começam as 18h30 – Subimos o
primeiro andar e pude ler uma placa escrita “Biblioteca” e após outro lance de
escadas chegamos ao segundo andar – Aqui é a enfermaria, apareça aqui caso
sinta qualquer coisa diferente e estou falando sério, alguma coisa que você
possa achar que é bobeira pode te dar uma grande complicação.
-Entendi,
pode deixar.
Passamos
por mais alguns degraus e Willian me apontava quartos, quartos e mais quartos.
Assim que chegamos ao quarto andar, Will me guiou até uma porta e a abriu.
-Seu quarto madame – Ele fez uma voz engraçada.
-Obrigada
– Disse rindo e entrei no quarto, me virei de costas e olhei para ele – É lindo
– Will me encarou pesadamente por um bom tempo.
-É,
é sim.
Caminhei
até Will e o abracei novamente. Ele me apertou e apoiou seu rosto sobre a minha
cabeça.
-Por
favor Will, não suma.
-Agora
posso te ver todos os dias – Ele acariciou meus cabelos – Desde que seu pai me
transformou eu te vejo tão pouco, senti muita falta de te balançar, de brincar
com você, mas agora estamos aqui e eu prometo te proteger de tudo. Prometi pra
sua mãe que cuidaria de você.
-Vovó
com certeza estaria orgulhosa de você.
-Eles
estariam orgulhosos de nós.
-Obrigada
Will, obrigada por não me deixar sozinha. Nunca quis acreditar que você também
estava morto e eu estava certa.
-Você
nunca vai ficar sozinha querida. Agora vá dormir, terá um longo primeiro dia
pela frente.
-Sim
senhor.
-Venho
te buscar pra te levar pra aula – Ele beijou minha testa – Boa noite.
-Boa
noite Will.
Era
quase de manhã e ‘noite’ soava muito estranho. Fechei a porta e me virei para o
quarto. Tinha uma cama de casal de madeira escura e jogo de cama claro, uma
enorme janela atrás da cama e grossas e compridas cortinas aveludadas, elas
eram vermelhas escuras com detalhes dourados. Aos pés da cama tinha um tapete
escuro de formato quadrado que se destacava no chão claro de madeira. Em umas
das paredes tinha uma porta escura que julguei ser o banheiro, de frente com
essa porta, do outro lado do quarto tinha um guarda-roupa de madeira escura
como a da cama. De frente com a cama, na parede onde estava a porta tinha uma
escrivaninha e um enorme espelho na parede. Coloquei minha mochila em cima da
escrivaninha e fui olhar pela janela, alguns raios de sol estavam começando a
aparecer, aquela claridade me causava
algo estranhamente dolorido. Meus olhos ardiam e quando um pouco da claridade
tocou na minha mão, parecia que haviam ateado fogo nela. Fechei rapidamente a
cortina e fui me trocar.
Ao sair do banheiro garanti que as cortinas
estavam bem fechadas e adormeci.
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