-Willian,
está na hora.
-Pois não? –
Ele abaixou a cabeça enquanto esperava sua ordem.
A luz estava
apagada, a única coisa que iluminava a sala era uma vela grossa com sua chama
potente. A vela estava posicionada ao lado direito do trono acinzentado com
detalhes dourados. Esse era o mestre. O mais velho dos vampiros, estava prestes
a completar cinco séculos e as decisões mais importantes eram determinadas por
ele, como, por exemplo, decidir quem seria transformado em vampiro.
-A Belchior.
-Perdão? –
Willian não pode evitar de olhá-lo nos olhos.
-Sim,
Willian, está decidido. É ela. – Sua voz possuía um tom forte e sequer falhava
– Ela é a próxima vampira.
Willian
assentiu com a cabeça, se levantou e pediu licença. Ao se retirar do aposento
isolado soltou um forte suspiro. Ele teria que transformá-la. Era sempre ele
quem transformava. Mas ela? Ele caminhou lentamente para o exterior de uma
pequena casinha construída especialmente para Heitor. Do lado de fora estavam
alguns vampiros-muralhas. Eles eram altos e fortes, e isso era necessário para
a proteção de alguém importante.
Júlio, um
vampiro magro e inteligente é o conselheiro de Heitor. Willian, ele e os
guardas eram os únicos a ter contato com o vampiro mestre. Ao passar por Júlio,
viu-o andando rapidamente de encontro ao mestre para ver se ele precisaria de
algo.
Ele cumprimentou os guardas e se
afastou lentamente até chegar ao carro. Jorge estaria o esperando ali cerca de
5 minutos. O carro estava aproximadamente a dez metros de distância da porta
larga de madeira que servia de porta principal para a casa de Heitor.
Willian
abriu a porta do carro e rapidamente pulou para dentro e esperou Jorge dar a partida.
Eles se afastaram do terreno particular em pouco tempo e Willian não tinha
aberto sua boca, parecia pensativo e, quem sabe, decepcionado.
-Qual o
problema? Não vai transformar ninguém? – Jorge se atreveu, mas ainda atento a
estrada.
-É a vez
dela... – A voz de Willian era quase muda, seu amigo teve que fazer um esforço
absurdo para ouvi-lo.
-Ela? Quero
dizer...
-Eu achei
que ela se safaria. Por que ela?
-Isso
significa que vamos direto para a cidade? – Jorge ignorou a pergunta de
Willian.
-Significa
sim. – O vampiro de cabelos longos encostou sua cabeça no banco.
Jorge não
pronunciou nenhuma outra palavra e não dirigia com pressa. Passava das 03h da
manhã, é claro que não haveria ninguém na rua e ninguém notaria um homem
entrando pela janela. Willian ainda estava quieto. Jorge não fazia ideia de
quem era a garota que Willian se referia, e por que diachos isso o incomodava
tanto.
-Willian,
você precisa me dizer onde é a casa.
-É na rua da
biblioteca, a única casa salmão e branca.
-E o
endereço?
-Não recebi.
-E como você
sabe que é lá?
-Apenas sei.
Jorge continuou
dirigindo e não demorou muito para chegarem à cidade. Lá, Jorge foi até a rua
indicada e procurou a casa. Foi fácil achá-la, difícil foi fazer com que
Willian saísse do carro.
-Will, você
precisa ir. – Jorge o repreendeu.
-Você não
pode fazer isso por mim?
-Não
Willian, esse trabalho é seu. E por muito tempo ouvi você dizendo que não seria
de mais ninguém.
-Certo. –
Ele abriu a porta do carro, saiu e a fechou vagarosamente.
-Não se
preocupe rapaz. Não há nada a temer.
Willian não
respondeu, nem o olhou. Atravessou a rua contra gosto e relutante deu um salto
para a pequena sacada no andar superior. Era uma casa bonita e a conhecia muito
bem. Mas ninguém sabia do seu passado, ninguém nunca saberia.
A porta de
vidro contornada de madeira clara estaria destrancada, e a cortina estava
puxada. Era uma cortina lilás e branca, tão suave que teve medo de tocá-la e
sujá-la. Sua mão alcançou a maçaneta e no mesmo instante um arrepio invadiu seu
corpo. Ele queria gritar para que ela fugisse, queria sair correndo dali e
queria até chorar. Ele não acreditava que iria transformá-la. Willian
simplesmente não queria isso! Não até passar pela sua cabeça que ela estaria
mais próxima a ele.
Fechou os
olhos e respirou profundamente, empurrou a maçaneta para baixo e abriu a porta,
passando por baixo da cortina delicada. Como ela crescera. Havia se passado
tanto tempo assim? Seus cabelos negros se destacavam no conjunto de cama branco
e com o edredom azul claro que eram como seus olhos quando era bebê. Ele olhou
a cômoda branca com alguns frascos de perfume sobre ela e um espelho na parede
ao lado. O guarda-roupa, igualmente de madeira branca, estava na parede ao lado
da sacada. Ao lado do espelho tinha uma porta escura, que dava passagem para o
banheiro e a porta em frente ao guarda-roupa era para o restante da casa.
Willian
pretendia não fazer barulho, mas a noite estava tão silenciosa que ele
acreditou que Jorge, do outro lado da rua, pudesse ouvir sua respiração pesada.
Seus passos fizeram barulho, o que foi preocupante. Ele não pretendia
acordá-la. Caminhou até a cama e observou seu rosto angelical. Não pôde
resistir e tocou suas bochechas com o polegar. Ele a viu abrir os olhos bem
poucos, estava inconsciente, com toda certeza. Sentou-se na lateral da cama e
se curvou sobre ela, depositou-lhe um beijo na testa e mordeu seu pescoço. O
sangue logo chegou a sua boca e ele pode ouvir um murmúrio de dor vindo da
garota.
Então, num
pulo, Willian se afastou dela e se levantou. Ele tinha a transformado! Ele
tinha mesmo feito isso. Seu coração foi dominado pela culpa. O remorso do que
havia feito estava forte que ele quase não pode conter as lágrimas. Em poucos
minutos, aquela menina estaria mais pálida e sensível ao sol, teria a
necessidade de tomar sangue e seus instintos não demorariam a se agitar. Quem
sabe, em algum momento de insanidade ela se tornaria uma assassina! Mataria
alguém apenas para de alimentar!
A garota se
sentou na cama e sua respiração estava pesada, automaticamente levou sua mão ao
local da mordida e seus pulmões pareciam enfraquecidos. Então ela avistou
Willian próximo a porta de vidro aberta.
-Não grite!
Está tudo bem!
-Quem é
você? – Ela olhou a mão que estava tocando o pescoço e percebeu um pouco de
sangue na palma – O que você fez? – Automaticamente puxou o edredom para se
cobrir.
-Calma
Kelly, não aconteceu nada.
-Como sabe
meu nome? Quem é você? – A garota estava paralisada de medo.
-Quer mesmo
saber? – Willian deu um sorriso de lado e revelou suas presas.
-Vampiro...?
M-Mas...
-Sim
mocinha, chegou a sua hora, seu destino foi mudado.
Kelly se
admirou por alguns instantes, tocou seus braços, rosto, passou a língua pelos
caninos e observou Willian.
-O que
acontece agora?
-Você
precisa vir comigo.
-Pra onde?
-Há um lugar
onde todos os vampiros moram juntos.
-Nem te conheço,
como posso confiar em você?
-Não há
muitos maníacos que conseguem por implantes e sair transformando humanos. –
Willian debochou.
-E por que
eu? Há tantos outros humanos por aí.
-Existe um
processo de seleção bem criterioso.
-Como vocês
sabiam da minha existência? Que diabos me faz acreditar que é verdade?
-Insuportável
igual a sua mãe. Cheia de teimosia e arrogância. É completamente igual à
Tabata. Não herdou nada do seu pai não?
-Como você
sabe da minha mãe? – Kelly se espantou.
-Sua mãe é
uma das melhores pessoas que eu já conheci.
-Foi você
quem a matou? – Certa raiva se encontrava nos olhos da garota.
-Não, não
fomos nós. Na verdade ela morreu por ser uma de nós.
-Minha mãe
não era uma vampira.
-Mas seu pai
sim.
-Quem é você
afinal de contas?! – Kelly alterou a voz.
-Shiu, não
faça barulho. – Willian se aproximou.
-Não encosta
em mim! – Ela se levantou e caminhou de costas até encostar-se à porta.
-Calma, não
vou fazer nada.
-Quem é
você? Como conheceu meus pais?
-Seu pai foi
quem me transformou.
-Qual o seu
nome?
Ele hesitou
um pouco e sorriu. Tirou uma foto do bolso da calça e jogou por cima da cama da
menina.
-Willian.
Ela alcançou
o interruptor ao seu lado e acendeu a luz. Encarou o homem por alguns minutos e
olhou para a foto em cima da cama. A imagem impressa ela conhecia muito bem.
Era uma foto de um rapaz, cabelos negros e um pouco longos, olhos azuis claros
e um sorriso lindo, no seu colo havia uma menina, um bebê. Uma tiara de pano
enfeitava os cabelos escuros e curtos da bebê que vestia um vestido branco com
babados lilás, sempre foram suas cores preferidas. O rapaz não havia mudado
nada.
-Willian?
Mesmo? – Seus olhos quase se encheram de lágrimas.
-Sim Kelly,
sou eu. – Ele riu levemente.
-Por que
você não apareceu? Por que não salvou meus pais? – Algumas gotas escorreram
pelas bochechas.
-Me
desculpa, eu não pude fazer nada.
Ela olhou
mais uma vez para a foto e caminhou até o rapaz. Tocou seu rosto e depois o
abraçou afundando seu rosto no peitoral e respirou profundamente.
-Obrigada
tio. Vou me trocar – Ela se soltou dele e caminhou até o banheiro.
Alguns
minutos depois Kelly saiu do banheiro e separou algumas roupas para levar e se
dirigiram até a sacada. A lua ainda brilhante no céu iluminava a rua.
-Como vamos
descer? – Seus olhos se arregalaram.
-Como
vampiros – Willian saltou e olhou para cima.
-Você tem
certeza?
-Não, desça
pela escada – Ele riu.
A garota
saiu do quarto, desceu as escadas e saiu pela porta da frente.
-Está
ardendo, o que é isso? – Levou a mão ao local da mordida.
-Sua
transformação.
-Parece que
me injetaram ácido.
-É só agora,
te garanto.
-Assim
espero.
Willian
conduziu-a até o carro, Kelly se sentou no banco traseiro e ele entrou na
frente, se sentando ao lado de Jorge. Abriu uma pequena caixa de isopor e
entregou para Kelly uma bolsa de sangue.
-O que é
isso? – Ela apanhou a bolsa com certo nojo.
-Não dá pra
trazer um corpo dentro da caixa.
A menina
observou a embalagem
-Preciso
disso?
-Precisa.
Não é tão ruim quanto parece. – Sorriu e se virou para Jorge – Já podemos ir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário